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A partir do dia 22 de outubro, entra em vigor a Lei 14.451/22, que altera o Código Civil, para modificar os quóruns de deliberação dos sócios das empresas de sociedade limitada.
Com a nova lei, o Poder Judiciário brasileiro terá uma preocupação a mais nos julgamentos de questionamentos de deliberações anteriores à alteração da legislação, de acordo com especialistas no tema ouvidos pelo Consultor Jurídico.
Segundo o texto da nova lei, qualquer modificação do contrato social da empresa, incorporação, fusão e dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação, precisa ser aprovada por maioria simples, ou seja, 50% mais um dos votos. Antes, de acordo com o Código Civil de 2002, era necessário ter pelo menos 75% do capital social.
"A questão não será fácil, pois quando do julgamento de questionamento relativo a deliberações anteriores à alteração da legislação, o Judiciário deverá observar o prazo prescricional para o questionamento judicial de atas de reuniões de sócios e contratos de constituição e a legislação aplicável à época da deliberação" explica a sócia da área de Direito Societário do escritório Leite Tosto e Barros, Mariana Nogueira.
Atualmente, há cerca de 19 milhões de empresas ativas em todo o território nacional, de acordo com dados do segundo quadrimestre deste ano. Desse total, 4,8 milhões são sociedades limitadas, conforme revela o Mapa das Empresas, uma plataforma digital do Ministério da Economia que fornece informações sobre o registro empresarial no Brasil.
Mais de 95% das sociedades limitadas brasileiras poderão ter sua situação afetada pelas novas medidas, o que deverá resultar em muitas ações judiciais, segundo o sócio e coordenador da área de Direito Societário do escritório Silveiro Advogados, Pedro Dominguez Chagas.
A alteração do quórum para modificações nas sociedades limitadas poderá esbarrar nas alegações dos sócios, sobretudo os minoritários, contra alterações no contrato social da empresa.
"Com a mudança da legislação e a redução do quórum geral de aprovação de alterações ao contrato social nas sociedades limitadas, estes sócios minoritários alegarão que nunca manifestaram a vontade de fazer parte de tais sociedades com os novos quóruns, e poderão pleitear a manutenção dos quóruns originais para deliberação, mantendo-se, por exemplo, o direito de um sócio com 26% de obstar a alteração do contrato social", explica o especialista da banca Mazutti Ribas Stern Sociedade de Advogados, Eduardo Faglioni Ribas.
Um argumento que poderá ser utilizado pelos sócios, inclusive, é o fato de que, para a transformação de um tipo societário - de limitada para sociedade anônima, por exemplo - , a legislação exige unanimidade. De acordo com Ribas, "nesse caso de alteração dos quóruns indiretamente via Código Civil, na prática, ocorreu a redução de alguns direitos de veto de sócios minoritários sem que houvesse deliberação nesse sentido".
A mudança na lei das sociedades limitadas coloca o Poder Judiciário diante de dois cenários: pode prevalecer uma vinculação genérica ao Código Civil, que, ao ser alterado, resulta em mudança automática dos quóruns a ele ligados; ou a vontade dos sócios, manifestada na vigência de lei revogada, pode estar vinculada ao texto outrora vigente e, portanto, tal disposição vincularia o contrato social à regra antiga, mesmo após a alteração legal, já que ele expressa o desejo dos sócios quando da assinatura do contrato social.
"Outro caminho possível aos sócios insatisfeitos com a mudança será o exercício do direito de retirada — sendo que o Poder Judiciário poderá ser demandado para discussões relativas à valoração das quotas do sócio retirante", prevê Eduardo Faglioni Ribas.
Para o Judiciário, segundo Mariana Nogueira, a questão é relativamente simples, já que as regras de Direito material se aplicam a qualquer evento nela previsto a partir de sua promulgação, sem retroagir. Portanto, tornam-se aplicáveis a partir de 22 de outubro.
"Dessa forma, as sociedades cujos contratos sociais não prevejam quóruns específicos estarão sujeitas ao quórum de deliberação legal vigente no momento da referida deliberação e/ou votação."
As sociedades que se interessarem em adaptar seus contratos sociais à nova legislação deverão se reunir e votar pela reforma do documento, objetivando a redução dos quóruns previstos ou a sua remoção, com simples remessa à lei vigente.
"Essa votação, no entanto, poderá ser delicada porque esbarrará em interesses já postos na sociedade, relacionados ao percentual de participação de cada sócio, que estará obrigada a respeitar o quórum previsto", prevê Mariana Nogueira.
Assim, a nomeação de um administrador não sócio — artigo 1.061 do Código Civil — dependerá da aprovação de pelo menos dois terços dos sócios enquanto o capital não estiver integralizado. E dependerá da maioria simples após a integralização. Atualmente, é exigida a aprovação por unanimidade dos sócios e de pelo menos dois terços deles após a integralização do capital, respectivamente.
"Entendemos a mudança legislativa do quórum geral para sociedades limitadas como bem-vinda, na medida em que, ao privilegiar o princípio majoritário, outorga maior liberdade na acomodação de interesses dos sócios de sociedades limitadas — as quais, caso queiram, poderão adotar, sem óbices, o regime anterior", afirma Eduardo Ribas.
Por outro lado, a ausência de modulação ou de regras de transição para sociedades baseadas na regra atualmente vigente e a data de publicação da lei de apenas 30 dias deverão gerar discussões até então inesperadas entre sócios, visto que será alterada abruptamente a dinâmica do poder de controle.
A prática societária nas sociedades limitadas foi consolidada em torno do quórum de 75%, fixado em uma lei (a atual) na qual não era facultada aos sócios a minoração.
"Era usual, mas não necessário, que fosse fixado no contrato social, mais por razões de forma do que jurídicas, que o quórum de alteração do contrato fosse expressamente indicado em 75%. Não raro, todavia, apenas remetia-se (ou simplesmente não se apontava no contrato essa disposição) ao regramento legal — na segurança de que, uma vez positivada em lei, a relação estaria segura ao longo do tempo”, aponta Eduardo Ribas.
Segundo ele, era comum escolher o regime das sociedades limitadas para garantir ao sócio ou ao grupo minoritário, titular de 25% da participação social, poder de veto nas deliberações atinentes à alteração do contrato social.
“Com a mudança, além da diminuição do custo do controle — já que será controlador aquele com metade mais um da participação social —, retirar-se-á dos minoritários um poder de veto antes constituído em torno da regra de quórum legal", conclui.
Com informações do Consultor Jurídico