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Alíquota uniforme de ICMS sobre combustíveis e a ineficácia da Lei Complementar 192/2022

Após dois anos de recessão econômica decorrente da pandemia de COVID-19, o mundo enfrenta agora as consequências devastadoras da guerra entre Rússia e Ucrânia

Após dois anos de recessão econômica decorrente da pandemia de COVID-19, o mundo enfrenta agora as consequências devastadoras da guerra entre Rússia e Ucrânia. As sanções impostas pelo Ocidente ao maior exportador de óleo e gás natural do mundo têm acarretado significativo aumento no preço dos combustíveis, como aplicado pela Petrobras em 10 de março no preço da gasolina (18,7%,) e diesel (24,9%).

Para conter os reflexos negativos na economia, o Congresso se mobilizou para alterar a tributação de determinados combustíveis, o que resultou na edição da Lei Complementar 192/2022, que define quais deles estarão sujeitos à incidência única do ICMS.

A nova Lei Complementar entrou em vigor, mas sua aplicação relativamente ao ICMS depende de Convênio a ser firmado entre os Estados, sem o qual permanece a tributação atual, (i) com incidência em todas as etapas da cadeia comercial; (ii) alíquotas ad valorem, fixada pelos Estados individualmente; (iii) não incidência sobre operações interestaduais; e (iv) recolhimento ao Estado onde se verifica o consumo.

Com a edição da Lei Complementar 192/2022, as operações com (a) gasolina e etanol anidro combustível; (b) diesel e biodiesel; e (c) gás liquefeito de petróleo, inclusive o derivado do gás natural, passarão a ser tributadas pelo ICMS uma única vez, em princípio, na saída do estabelecimento do produtor ou no desembaraço aduaneiro realizado pelo importador. Registre-se que os Estados, através de Convênio, podem equiparar a produtor outros participantes da cadeia comercial para fins de alterar o momento da incidência única do ICMS, tal como o legislador determinou em alguns casos para fins de incidência do IPI, gerando, inclusive, muitos questionamentos.

Para esses produtos, a Lei Complementar 192/2022, com fundamento no artigo 155, da Constituição Federal, estabelece que as alíquotas do ICMS:

  • serão uniformes em todo o território nacional, podendo ser diferenciadas por produto;
  • serão específicas (ad rem), por unidade de medida adotada; e
  • poderão ser reduzidas e restabelecidas no mesmo exercício financeiro, devendo ser observado apenas o prazo de 90 dias.

Na hipótese de a única operação sujeita à incidência do ICMS ocorrer entre Estados:

  • nas operações com os combustíveis derivados de petróleo, o imposto caberá ao Estado onde ocorrer o consumo, tal como ocorre atualmente;
  • nas operações interestaduais com combustíveis não derivados de petróleo,
    • entre contribuintes, o imposto será repartido entre os Estados de origem e de destino, mantendo-se a mesma proporcionalidade que ocorre nas operações com as demais mercadorias, qual seja, o correspondente à alíquota interestadual (4%, 7% ou 12%) ao Estado de origem e o diferencial de alíquota ao Estado de destino; e
    • destinadas a não contribuinte, o imposto caberá ao Estado de origem.

As alterações legislativas, portanto, não apenas interferem nas alíquotas do ICMS incidente sobre operações com os mencionados combustíveis, como também alteram a definição do Estado competente para exigir o imposto em operações interestaduais com produto não derivado de petróleo.

Além de alterar o Estado competente para exigir o ICMS sobre os combustíveis não derivados de petróleo, a obrigatoriedade de aplicação de alíquota uniforme em todo o território nacional implicará um aumento no valor do imposto em alguns Estados. É o que revela matéria publicada em 16 de março pelo jornal O Estado de São Paulo, ao trazer comentários do Secretário de Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles, reconhecendo que a alíquota única a ser fixada para os combustíveis acarretará aumento da carga tributária. Em simulação de um valor fixo sobre o litro do diesel, o Estado de São Paulo teria um aumento de aproximadamente 9,5% no valor do ICMS.

Convém destacar que a nova alíquota nacional do ICMS deverá ser fixada pelos Estados também em Convênio, devendo ser observadas as estimativas de evolução do preço dos combustíveis, “de modo que não haja ampliação do peso proporcional do tributo na formação do preço final ao consumidor” (art. 6º, § 5º). Esse parâmetro legal para a fixação das alíquotas tem impossibilitado o consenso entre os Estados, principalmente porque, conforme mencionado, haverá necessariamente aumento do ônus financeiro do ICMS incidente sobre combustíveis em determinados Estados, como São Paulo. Esse fato, por si só, poderia fundamentar o questionamento da alíquota em uma ação judicial, e a consequente ineficácia da medida veiculada na Lei Complementar 192/2022.

O temor dos Estados em definir de forma inadequada as alíquotas do ICMS é reforçado pelo fato de que estas poderão ser reajustadas somente após 12 meses e, a partir de então, a cada semestre. Excepcionalmente com relação ao diesel, enquanto não se chega a um consenso sobre esses valores, até 31/12/2022, a base de cálculo do ICMS corresponderá à média móvel dos preços médios praticados ao consumidor final nos 60 meses anteriores à sua fixação, sendo dispensada a uniformidade de alíquotas até que seja definida aquela ad rem. Embora haja uma determinação legal para a adoção de alíquota uniforme no País, não há um prazo para tanto, o que reforça a possível ineficácia da Lei Complementar.

Há previsão constitucional da adoção de incidência única do ICMS sobre determinados combustíveis, porém, a obrigatoriedade constitucional de alíquotas uniformes no território nacional tem gerado impasse entre os Estados, evidenciando a ausência de consenso sobre o valor a ser utilizado e inaugurando mais um capítulo do complexo sistema tributário nacional.

*Carolina Romanini Miguel é sócia da área tributária do Cescon Barrieu Advogados

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