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A desburocratização urgente do comércio exterior brasileiro

Felizmente, há uma cultura de desconfiança que impera no Brasil, gerada e fomentada também pela perpetuação do famoso jeitinho brasileiro

Autor: Renan Rossi DiezFonte: O Autor

felizmente, há uma cultura de desconfiança que impera no Brasil, gerada e fomentada também pela perpetuação do famoso jeitinho brasileiro. O próprio Estado não confia em seus contribuintes, talvez motivado pelo seu próprio reflexo ao se enxergar no espelho.

Em meu primeiro livro lançado em 2016 pela editora Aduaneiras, denominado “Minuto Comex – O comércio exterior em artigos direcionados ao mercado brasileiro” já havia mencionado a árdua tarefa de empreender em território brasileiro, expondo de forma bastante sintética os equívocos de uma administração pública ineficaz, que se reflete em prejuízos incalculáveis dentro de nossas empresas, principalmente em sua competitividade global.

Neste sentido, tendo sido trazida a questão da competitividade de nossas empresas em termos globais, torna-se imprescindível que o Brasil adote medidas afim de desburocratizar a máquina pública, a qual entendemos como necessária, porém, jamais se impondo como obstáculo para a geração de negócios, empregos, produtividade e competitividade das empresas brasileiras, responsáveis pela movimentação de nossa economia e desenvolvimento de toda uma nação dependente desses avanços.

No atual cenário do comércio exterior brasileiro vislumbramos algumas situações que não nos parece razoável do ponto de vista econômico, operacional e até mesmo jurídico, as quais aduzimos a seguir:

Um primeiro ponto que merece destaque é a questão da parametrização dos canais nas aduanas brasileiras. O foco aqui se baliza essencialmente na esfera do canal vermelho. Hoje, uma empresa brasileira que realiza uma operação de importação e tem sua carga parametrizada no canal vermelho, automaticamente já está penalizada, mesmo que não haja nenhum tipo de irregularidade no lote importado. Isto porque há um prazo de 5 dias úteis para que haja a conferência aduaneira, não obstante, na prática esta carência de tempo pode ser facilmente dilatada em razão de movimentos grevistas ou ausências com justificativas rasas sob eventuais impossibilidades de conferência fiscal na data agendada. Diante destes obstáculos, a empresa tem o custo maximizado em razão do valor da armazenagem no recinto aduaneiro, que soma-se ao primeiro período previsto para pagamento, isso sem mencionar a questão da demurrage e prejuízos comercialmente já auferidos por conta do atraso da liberação da mercadoria.

Dentro desta perspectiva não se mostra razoável essa punição prévia pela qual o importador é submetido. Por outro lado, o objetivo deste artigo não é eximir o importador de qualquer conferência aduaneira e as eventuais penalidades justificadas em decorrências das irregularidades verificadas, mas sim, agilizar as operações e diminuir os custos envolvidos em cada operação. Pois bem, qual a alternativa? Entendemos que diante de uma parametrização em canal vermelho, tão logo sejam apontadas as irregularidades, a carga seja liberada ao importador, com o compromisso de que sejam devidamente regularizadas, mediante as retificações cabíveis, pagamentos de multas entre outros, sob penas estipuladas pela própria Receita Federal por eventual atraso nessa regularização. Nestas penas sim pode-se agravar a situação em termos financeiros ao importador, mas neste caso pelo não cumprimento das obrigatoriedades e não como é hoje, com a empresa importadora arcando com custos desnecessários e que impedem a geração de negócios, empregos e movimentações financeiras que capacitarão as empresas para arcar saudavelmente com compromissos a parceiros, funcionários e até mesmo ao Estado, dentro de um cenário em que a importação pode estar livre de qualquer problema perante a Receita Federal e mesmo assim se impõe uma punição automática e sem qualquer tipo de restituição financeira pelos custos gerados.

Um segundo ponto que podemos ressaltar é a questão do desembaraço aduaneiro. O regulamento aduaneiro impõe a necessidade de que a mercadoria já esteja em território aduaneiro brasileiro para que se faça o registro da declaração de importação, documento pelo qual se formaliza e une as informações relacionadas ao processo de importação. Ou seja, não é possível que se agilize o processo enquanto a mercadoria está em trânsito do país de origem até o Brasil, com exceção a alguns segmentos de produtos. Ora, se a documentação já está emitida e há dados para que se faça o registro da declaração de importação, nos parece inteligente que de alguma forma fosse possibilitado esse registro em caráter de antecipação. Desta forma, em caso de parametrização em canal verde a carga simplesmente seria armazenada no recinto alfandegado e prontamente liberada para coleta e entrega ao cliente final. Por outro lado, em caso de parametrização em canal amarelo ou vermelho, seria possível anteciparmos a questão da nomeação do fiscal responsável, bem como o agendamento da própria vistoria aduaneira, de forma que a carência de tempo da carga no recinto alfandegado seria consideravelmente menor, propiciando o desafogamento destes recintos no portos e aeroportos brasileiros, bem como a redução dos custos operacionais aos empresários brasileiros.

Na exportação, modalidade em que deveriam ocorrer apenas incentivos afim de prover o desenvolvimento das empresas brasileiras a burocracia também acaba impondo barreiras desnecessárias. A questão da habilitação de empresas no Radar da Receita Federal, por exemplo. A legislação ainda prevê que haja uma carência menor de tempo para a análise dos pleitos de empresas exportadoras, no entanto, não é o que ocorre na prática. Muitas unidades da Receita Federal alegam estar com a capacidade de atendimento insuficiente, seja por um número menor de auditores fiscais, seja por férias, licenças, afastamentos, não importa. O fato é que muitas unidades já alegaram estar analisando processos de 3 ou 4 meses anteriores à época de um novo pedido. A máquina pública está falida. É inadmissível que uma empresa que possui negócios no exterior, que está se desenvolvendo a ponto de iniciar exportações de seus produtos brasileiros para demais países tenha seu desenvolvimento interrompido pelo seu próprio país, por motivos que entregam a deficiência do funcionalismo público brasileiro. Essa questão merece ser rediscutida, a habilitação de empresas no radar da Receita Federal para empresas exportadoras deve ser deferida quase que automaticamente, qualquer tipo de restrição deveria ser discutida separadamente, permitindo-se que a empresa exporte, se desenvolva, cresça, justamente para arcar com seus compromissos financeiros e, principalmente, que o Brasil também cresça com cada vez mais empresas exportando e ampliando o superávit de nossa balança comercial.

Em Hong Kong, por exemplo, uma empresa pode exportar apresentando um simples Packing List na alfândega, declarando a quantidade de volumes e peso a ser embarcado, ou seja, a chance de uma empresa em Hong Kong perder uma venda de exportação em razão de burocracia é zero.

Nos Estados Unidos, a necessidade de se habilitar para operar no comércio exterior como aqui no Brasil, somente é imposta para algumas classes de produtos, como alimentos. Fora isso, qualquer empresa está apta a operar no mercado externo, seja para compra ou venda de mercadorias. No caso de uma importação, sua única obrigação é o pagamento do frete internacional, bem como ao fornecedor, e o pagamento de impostos ao governo.

No que se refere ao tempo de liberação de cargas, o tempo médio para o desembaraço de mercadorias importadas nos portos brasileiros no ano de 2015 foi de 14,39 dias, enquanto que Índia e China possuem uma média de 3,4 e 3,5 dias respectivamente, segundo notícia publicada pela Agência Brasil.

Em termos de tributação, vemos que no Brasil a cobrança de impostos na importação se dá por meio de: II, IPI, PIS, COFINS e ICMS, ou seja, são cinco impostos, por outro lado, a quantidade de impostos em diversos outros países é de apenas dois.

Infelizmente, há uma cultura de desconfiança que impera no Brasil, gerada e fomentada também pela perpetuação do famoso jeitinho brasileiro. O próprio Estado não confia em seus contribuintes, talvez motivado pelo seu próprio reflexo ao se enxergar no espelho. Por isso, atribui diversos sistemas de controles extremamente rigorosos e burocráticos, numa clara demonstração de punição de bons contribuintes, prejudicados por ações e comportamentos de contribuintes fraudulentos. O medo do governo em reduzir sua arrecadação de impostos através deste aparelhamento burocrático, faz com que os empresários diminuam seus investimentos, e isso sim, causa a diminuição não só dos cofres públicos, mas dos bolsos de toda uma nação.

É imprescindível que haja um diálogo entre o setor público e privado, no intuito de se construir uma parceria fundamental na compreensão de um país mais competitivo, principalmente na questão do comércio exterior. É preciso identificar ideias concretas que realmente possam ser implementadas e elevem nosso padrão de competitividade internacional. O comércio exterior brasileiro depende disso, o governo depende, nossas empresas dependem, nosso povo depende.

Renan Rossi Diéz é diretor na Intervip Comércio Exterior Ltda e aluno do Programa de Desenvolvimento Executivo da IBE-FGV.