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O mundo foi feito em sete dias de maneira
suficientemente boa. Se tentasse ser ótimo,
Deus estaria fazendo o mundo até hoje
Vamos dizer que você está editando o vídeo de um show e falta encontrar, nas centenas de fitas gravadas, os melhores lances do público, as caras de emoção, os sorrisos de aprovação, os momentos mágicos em que o artista mais tocou a plateia. Você já encontrou e colocou na edição muitas cenas interessantes, algumas até memoráveis, mas o bolo de fitas ainda não assistidas é grande. Aí vem a pergunta: o que já está editado é suficientemente bom?
Enquanto isso, um motor de carro de corrida está sendo regulado para entrar nas pistas no dia seguinte. A performance está acima do que sempre esteve, mas claro que pode melhorar com mais algumas horas de ajuste. Do jeito que está dá para vencer, mas ao mesmo tempo jamais vamos saber de antemão qual será a performance dos adversários. E aí vem a pergunta: será que o acerto do veículo já está suficientemente bom?
Por outro lado, o vestibular será em três dias. E alguém passou o ano estudando, mas tem consciência de que não sabe tudo. Pode tentar aguentar o sono e o cansaço e dar um sprint final nos livros e apostilas, ou declarar-se suficientemente bom como candidato e ir namorar.
Um músico está afinando as cordas do violino. Está em dúvida entre passar um pouco mais de tempo buscando a perfeição sonora ou concluir que já está suficientemente bom para se apresentar ao lado de outros trinta instrumentos de corda.
Podemos resumir todos esses exemplos acima tomando o último como referência: qual é o momento em que a corda não está frouxa de soar mal aos ouvidos nem esticada a ponto de arrebentar?
A grande pergunta sempre é: entre tudo que já fizemos e tudo que ainda poderíamos fazer, qual o momento mágico do “suficientemente bom”, também chamado de “good enough”? Qual o critério que deve ser utilizado para esse julgamento? Tempo despendido? Dinheiro investido? Esforço gasto? Ou as vantagens de sair na frente, ter o privilégio da anterioridade, precisar de uma taxa menor de retorno ou ainda poder se dedicar imediatamente a outro projeto?
Essa constatação me surgiu escrevendo um livro. Qual o momento de lançá-lo? Quando decidir que ele estava pronto? Dava para melhorar? Sim, e muito! Mas poderia continuar pesquisando e escrevendo sobre o tema a vida inteira. Enquanto isso, a ideia central da obra iria sofrendo erosão, a política de lançamento da editora poderia sofrer alterações de interesse e a tese poderia ser antecipada por outro autor.
E aí veio a pergunta: “O conteúdo deste livro já está suficientemente bom?”.
Claro que sim. “Mas já estava bom na semana passada, antes das últimas inserções?”. Provavelmente sim. E poderia estar melhor na semana seguinte? A resposta era sim, também.
Mas, afinal, a busca da
perfeição faz sentido?
Leon Tolstoi dizia que devíamos tentar buscar as estrelas mesmo sabendo que jamais iríamos alcançá-las. Em literatura isso pode ser verdade, mas em administração nem sempre. Ou quase nunca. Pelo menos no mundo pós-digital.
Se partirmos do princípio de que sempre podemos melhorar, a questão é quando parar de buscar o ótimo e passar a aceitar o suficientemente bom. E, num mundo onde tudo muda cada vez mais rápido, talvez nossos critérios tenham mesmo que ser revisados.
Nossa sensação do bom em relação ao tempo é linear, mas a evolução do mundo tem sido exponencial. Com isso, o conceito do suficientemente bom tem que mudar.
Muitos relojoeiros suíços desapareceram por não entender que os critérios do que é suficientemente bom se alteraram na relação do consumidor com o relógio.
Já a indústria da informática e empresas como a Apple lançam mais versões ou novidades do que a nossa capacidade pode acompanhar.
A razão disso é que o mundo digital nos trouxe uma nova forma de raciocinar e não apenas uma inédita maneira de nos comunicarmos. E essa nova ótica influencia tudo, até a produção de bens físicos.
Na era analógica, para lançar uma revista procurávamos ultrapassar o limite do suficientemente bom. Eram centenas de layouts, dezenas de pesquisas, provas e provas antes do número zero da publicação. A razão disso: era difícil e caro mexer depois. Hoje, ao fazer um site, posso lançá-lo em beta e ir aperfeiçoando com o passar do tempo, arrumando o avião em pleno voo.
Quando o primeiro iPhone foi lançado, possuía muitos features a serem melhorados. Os responsáveis por seu desenvolvimento sabiam que ele não realizava multitarefa, o som era baixo demais, a bateria durava pouco, os pixels das fotos não eram o ideal, a tela parecia pequena, mas a pergunta que fizeram a si mesmos foi: “Está suficientemente bom para mudar a história dos celulares?”. A resposta foi sim e, então, ele foi colocado no mercado. Depois, por upgrade, foi sendo melhorado e aperfeiçoado nas edições seguintes.
O teclado horizontal e a câmera com mais megapixels, por exemplo, foram itens introduzidos só na terceira versão, quando o iPhone já havia feito história na telefonia celular. Naquele momento, a hipótese de perder mais tempo tentando implementar e melhorar esses itens, ou encarecer o produto na busca do ótimo, poderia ter custado a Jobs e a sua equipe perderem a primazia de fazer história no mundo da mobilidade.
O universo digital trouxe uma quebra de paradigmas fundamental quando criou pela primeira vez a separação de dois mundos: o software e o hardware. Mais que um modelo de negócio, essa separação gerou um modelo de pensar e de ver o mundo. Antes dele, os produtos que nos rodeavam nasciam e morriam fazendo exatamente as mesmas funções que lhes foram atribuídas no seu nascimento.
Uma geladeira e uma televisão, por exemplo, têm as suas funções inalteradas durante toda a sua vida útil. E o mesmo se aplica ao automóvel, ao espremedor de laranja e ao aspirador de pó. Ao adquirir qualquer um desses objetos, já sabemos de antemão o que esperar deles durante toda sua existência.
Quando se separaram os conceitos de hardware e software, esse destino imutável das máquinas e objetos se alterou para sempre. A cada novo aplicativo baixado, um celular ou smartphone pode, além de telefonar e transmitir mensagens, tocar flauta, retocar fotos e descobrir que música está tocando no ambiente. Esses novos features vão se somando às suas habilidades iniciais, como se ele fosse aprendendo novos truques durante toda a sua vida.
Essa visão de que o imutável pode ser alterado e ampliado foi, sem dúvida, a maior transformação da relação homem/máquina e modificou completamente os modelos de negócio para sempre.
O ótimo é inimigo do bom?
Nikola Tesla foi um dos grandes gênios da humanidade, mas ficou na obscuridade por quase um século ao não entender o conceito do suficientemente bom. Com isso, Marconi levou a fama de inventor do rádio, Edson teve seu nome marcado na eletricidade e muitos outros inventores se apoderaram das ideias de Tesla, que esperava aperfeiçoá-las à exaustão antes de dá-las por terminadas.
Empresas de sucesso são aquelas que têm a compreensão correta do suficientemente bom.
Algumas saem na frente e fracassam por oferecer algo ainda não suficientemente bom. Outras esperam demais em busca do suficientemente bom e perdem o mercado e a oportunidade.
Desde que nascemos, somos impelidos ao ótimo e à perfeição. Na escola, o que importa é a nota 10. No esporte, o objetivo é o recorde, a medalha. Temos que melhorar sempre, por isso o suficientemente bom é anti-intuitivo, é negar tudo que aprendemos a ser.
Um mesmo remédio pode curar ou matar dependendo da dose. O critério do suficientemente bom, também.
Gestão nada mais é que a capacidade de discernir o que é suficientemente bom ou não. Se for além, perde a oportunidade. Se ficar aquém, o fracasso é certo.
Existem cinco fatores principais que norteiam o conceito do suficientemente bom: 1) custo de oportunidade; 2) prazo de validade; 3) ambiente concorrencial; 4) impacto tecnológico; 5) momentum organizacional.
Ray Croc, fundador do McDonald's, teve sempre a noção exata do suficientemente bom. Seu hambúrguer não era ótimo, mas suficientemente bom para dar início a um império. Já o finado Projeto Iridium, da Motorola, ficou aquém do suficientemente bom, corroído pelo tempo e pela evolução da tecnologia.
O Titanic partiu do Porto de Southampton, rumo a New York, para sua viagem inaugural. A bordo havia 2.500 pessoas dentre as mais ricas e importantes do circuito Elizabeth Arden. Considerado o maior navio do mundo e o mais luxuoso da época, demorou dez anos para ser construído e havia em seus construtores obsessão pela perfeição.
Um iceberg, no entanto, acabou com o mito e com a vida de milhares de pessoas. A razão por trás desse trágico acidente foi a falta de balancear o conceito de suficientemente bom entre os vários aspectos que compunham seu projeto. Pesaram demais a mão nos itens de luxo e conforto, mas ficaram aquém do suficientemente bom no quesito segurança. E isso foi fatal...
O mundo foi feito em sete dias de maneira suficientemente boa. Se tentasse ser ótimo, Deus estaria fazendo o mundo até hoje.
E, por falar em origem do mundo, os espermatozoides que saem antes em busca do óvulo morrem no caminho – até que o pH do ambiente se altere. Quem alcança o óvulo e o fecunda não é o mais rápido, nem o mais lento. É a luta pela vida do suficientemente bom.
A seleção natural que afeta toda a evolução das espécies é absolutamente baseada no conceito do good enough. Um animal não precisa correr no dobro da velocidade de seu predador. Para continuar vivendo, basta correr alguns metros a mais por minuto. Se fosse mais rápido que o necessário, gastaria mais energia e precisaria de mais alimento. Por isso, toda a evolução sempre procura compor seu quadro de sobrevivência baseado nas menores diferenças possíveis, que são suficientemente grandes para garantir a perpetuação da espécie.
Quando se observa uma floresta, vemos que há uma certa homogeneidade na altura das árvores. A razão disso é que elas crescem o suficiente para que suas copas alcancem o sol e possam realizar a fotossíntese. É o conceito do good enough novamente apresentado na natureza.
Num mundo que se move cada vez mais rápido e de maneira exponencial, todos nós temos que nos adaptar ao conceito do suficientemente bom para garantirmos a agilidade necessária em nossa gestão. Nossa tendência ainda é achar que alcançamos a perfeição quando não conseguimos acrescentar algo mais a nosso produto ou serviço. Hoje, é o contrário. A perfeição só é alcançada quando não conseguimos retirar algo dele. Esse é o conceito do suficientemente bom ou good enough.
A busca pela perfeição na visão tradicional pode estar nos impedindo de sermos bons o bastante. E, no novo ecossistema digital, isso nunca foi tão verdade!
Fernando Alves Martins
Graduado em Ciências Contábeis pela UNESPAR/FECEA. Pós-Graduado em Gestão Financeira, Contábil e Auditoria pela INBRAPE/FECEA e Direito Previdenciário pela Damásio Educacional S/A. Contador na empresa Bortolloti Ind. e Com. de Móveis Ltda (HB MÓVEIS) – Arapongas/Pr.
Walter Longo
https://www.linkedin.com/pulse/o-conceito-do-suficientemente-bom-walter-longo