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Sobre a recente polêmica acerca da incidência de IR sobre dividendos

Os órgãos patronais de classe, através do chamado "Impostômetro", que desvela as imensas quantias arrecadadas em bloco pela atividade impositiva.

Nada mais intrincado que a ordenação do Sistema Tributário (Constituição, Título VI, Capítulo I, arts. 145 a 162). Até hoje não foi criado o imposto sobre grandes fortunas, na forma do art. 153, inciso VII, por não ter sido editada a Lei Complementar necessária. Tampouco tem sido cumprido o disposto no parágrafo 5º do art. 150: a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidem sobre mercadorias e serviços. Quem se tem desimcumbido dessa missão?. Os órgãos patronais de classe, através do chamado "Impostômetro", que desvela as imensas quantias arrecadadas em bloco pela atividade impositiva.
 

Abordaremos aqui, uma dúvida surgida em fins de 2011, objeto de bastante inquietação para os contribuintes, sabido o rigor do Fisco quanto a estes. Trata-se de definir se, para as empresas que possuem dois lucros, um societário e outro fiscal, qual destes deveria ser utilizado como base para que os dividendos possam ser distribuídos sem a incidência do tributo. A matéria foi debatida com grande proficiência técnica no jornal "Valor Econômico", de 20-1-2012, porém aqui pretendemos fazer tão-só ligeiras achegas em torno da questão, a fim de colaborar na polêmica pertinente.
 

A despeito de ter o processo de mudança do padrão de contabilidade brasileiro para o modelo internacional IFRS ter terminado em 2010, apenas ao final de 2011 a dúvida principiou a avassalar os contribuintes, que continuam alimentando entendimentos opostos.
 

Os técnicos do Fisco entendem que apenas o lucro apurado de acordo com as regras contábeis antigas pode ser distribuído sem que os acionistas tenham de recolher o tributo. Em sendo assim, todo o lucro apurado poderá ser distribuído de forma isenta aos acionistas. A espécie se torna especialmente relevante por isso que o novo padrão de contabilidade aumenta o lucro das empresas em mais de 20%
 

A diferença pode não ser grande o suficiente para afetar as companhias abertas que pagam uma pequena parcela de lucros sob a forma de dividendos, como o mínimo legal de 25%, mas o advogado especialista em contabilidade e tributos Edison Fernandes, do Escritório Fernandes e Figueiredo, ressalta que isso afeta diretamente as controladas dessas empresas, que muitas vezes pagam 100% dos lucros para a holding aberta que as encima, além das empresas fechadas e das subsidiárias de multinacionais estrangeiras. Esse experto chama a atenção para a exorbitância de tal pagamento, no importe de 100% dos lucros percebidos.
 

Mesmo antes da mudança do padrão contábil, iniciada em 2008 e concluída em 2010, o lucro societário de uma companhia já era diferente do lucro que valia para a Receita Federal, no objetivo da apuração do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
 

Apesar de todos os ajustes que justificavam a diferença entre um e outro lucro estarem previstos na legislação, com a adoção de outro modelo contábil esses princípios deixaram de figurar na legislação, passando a ser expressos tão-só em regras infra-legais, editadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e referendadas através de deliberações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
 

Essa circunstância, a nosso aviso, importa em radical modificação do cerne do problema, haja vista que meras determinações infra-legais, como as mencionadas logo acima, não são dotadas de força jurídica hábil a amparar a pretensão de exigir tributo, a qual necessita de força estrita de lei, consoante princípio constitucional inconcusso.
 


 

Com efeito, lê-se no art. 15º da Constituição:
 


 

Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
 

I - exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça;
 

Vigora, outrossim, na Carta Política, a garantia de que, salvo hipóteses excepcionais previstas no próprio texto, não será lícito instituir ou majorar impostos, ainda que disso se cuide por meio de medida provisória, exceto nos casos previstos nos arts. 153, incisos I, II, IV e V e 154, II, do texto magno, se a inovação não houver sido convertida em lei até o último em que foi editada, nos exatos termos do art. 62, parágrafo 2º, da Carta.
 

Logo se está a ver, com nímia clareza, que apenas exigência constante de lei, ou de medida provisória, será hábil a supeditar exação de tributos, a não ser nas hipóteses previstas nos arts. 153, incisos I, II, IV e V, e 154, inciso II, da Constituição, que são os seguintes:
 

Art. 153, inciso I: importação de produtos estrangeiros;
 

Art. 153, inciso II: exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;
 

Art. 153, inciso IV: produtos industrializados;
 

Art. 153, inciso V: operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos e valores mobiliários;
 

Art. 154: A União poderá instituir:
 

Inciso II: na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua instituição.
 

De outra parte, cabe relembrar que a polêmica aqui versada diz respeito à renda e proventos de qualquer natureza, conforme o prevê o art. 153, inciso II, da Constituição, não a outras espécies tributárias, acima mencionadas, como exceções.
 

Em face do exposto, quer nos parecer que a incidência de Imposto de Renda sobre dividendos, com base em regras infra-legais, como aquelas citadas pelo CPD e pela CVM, não possuindo lidima força de lei, não será hábil a criar ou majorar tributos, a teor do disposto em nossa Carta Política, nos exatos termos do art. 150, inciso I, desta.
 

Tampouco tal cobrança poderia encontrar amparo nas exceções previstas no texto magno, igualmente supra mencionadas.
 

Lembramo-nos de ter lido do tributarista Alfredo Augusto Becker, em sua "Teoria Geral do Direito Tributário", Ed. Saraiva, 2ª ed., 1972, págs. 3 e 5, que tendo o professor Leilo Gangemi, catedrático da Universidade de Nápoles, após analisar o sistema tributário italiano, escolhido para seu livro o título "Manicômio Judiciário Italiano", ele, Alfredo Augusto Becker, referiu-se nessa obra à expressão "Manicômio Jurídico-Tributário".
 

No entanto, desde quando o Estado moderno converteu-se em Estado de Direito, nele vigora, de modo impertérrito, o princípio nullum tributum sine lege, da mesma que nele vige o princípio nullum crimen sine lege.