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“Se as partes foram a juízo é porque elas, de motivação própria, não têm energia para a conciliação. É preciso que o Estado propicie a elas um momento de reflexão”. Por conhecer muito bem o preço de um processo no contencioso, o advogado Celso Cintra Mori, sócio do escritório Pinheiro Neto prefere sempre tentar uma solução amigável. “Um mau acordo pode ser melhor do que uma boa demanda”, aconselha Mori.
Pode parecer contraditório advogados que vivem de conflitos insistirem na conciliação. Mas essa sinceridade para com os interesses do cliente tem seus frutos. Na primeira pesquisa, da qual este site participou, junto com a Editora Análise, Mori foi eleito pelos executivos das maiores empresas do Brasil como o advogado mais respeitado do país na área do contencioso.
Advogado em extinção, como ele mesmo se denomina, não tem uma área de especialização, mas, como coordenador da área de contencioso do escritório, dá palpite em quase todos os assuntos. “Você se especializa em marcar gol de cabeça, mas tem que saber chutar com os dois pés”, observa. Por isso, a sensação de espécie em extinção. Ele tem consciência de que a advocacia do futuro terá cada vez mais profissionais especializados.
Formado no Largo São Francisco, Celso Mori começou a trabalhar em escritório de advocacia antes mesmo do primeiro dia de aula. “Era abril de 1964, mas por questões políticas, com uma semana de aula já estávamos em greve”, explica. Com forte tendência para a conciliação, o advogado acredita que a arbitragem tende a ser uma das áreas jurídicas mais requisitadas. “Nela não tem recurso. Se você perdeu a primeira decisão, goste ou não, acabou”, reforça.
Celso Mori foi vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), é membro do conselho do Iasp e foi conselheiro da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp). O advogado também passou pela conselho da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) e é ex-presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa). Atualmente, atua no Conselho Diretivo da entidade.
Sóbrio e discreto como o escritório onde trabalha, Celso Mori é um dos advogados da sociedade que constrói a sua imagem de resolver grandes casos sem estardalhaço. Em geral, na área empresarial. Mas não apenas. Poucos sabem que foi ele quem encontrou solução, junto com o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para evitar a expulsão do país do jornalista Larry Rohter, do The New York Times.
Rohter escrevera que o alcoolismo crônico de Lula já preocupava os brasileiros, o que enfureceu o governo. O governo cancelou o visto do jornalista temporariamente, impedindo-o de permanecer no país. Mas o jornalista norte-americano não foi expulso, porque neste momento estava fora. Ele só retornou ao Brasil depois que o governo recuou da decisão. A solução costurada por Mori e Bastos incluiu uma carta de Rohter à Presidência, dizendo que não teve a intenção de ofender Lula. Em seguida, o jornalista foi substituído.
Em entrevista à ConJur, o advogado falou sobre arbitragem, Judiciário e o futuro da advocacia. Participaram os jornalistas Lilian Matsuura e Alessandro Cristo.
Leia a entrevista:
ConJur — O papel do advogado é resolver o problema do seu cliente ou levar o caso para a Justiça resolver?
Celso Mori — Os advogados poderiam conversar e a partir da conversa haveria uma composição dos interesses dos respectivos clientes. Na teoria isso faz todo o sentido. Talvez nos encaminhemos para tempos em que essa fase seja mais valorizada, mas no momento ela não é. Quando o estudante entra na faculdade de Direito, o senso comum é de que ele vai aprender a litigar. Há hoje escolas que se propõem ser escolas de negócios jurídicos. Mas, acho que tudo é uma questão de evolução e de maturidade.
ConJur — Quando o senhor se formou, o contencioso era o mais valorizado.
Celso Mori — Sou um advogado de contencioso, mas nunca vou ao contencioso sem antes tentar esgotar as tentativas de composição. Nunca vi nenhuma questão judicial em que todo mundo saísse satisfeito. Normalmente, numa disputa judicial, 50% das partes sai satisfeita ou quase satisfeita e 50% saí totalmente insatisfeita. Então, a possibilidade de o judiciário resolver uma questão de forma que seja do agrado das duas partes praticamente não existe.
ConJur — Muitas vezes as próprias partes não tem vontade de fazer um acordo. Por quê?
Celso Mori — Há um conjunto de vantagens antagônicas. Se a parte disser que não quer ir à audiência de conciliação, eu pergunto que proposta devo fazer ou aceitar. Mas acho que não basta o advogado estar presente na audiência de conciliação, deveria estar a parte também, porque quem sofre com o processo é a parte. Posso orientá-la profissionalmente e adverti-la sobre possíveis conseqüências da demanda, mas quem tem que decidir se quer brigar ou se quer fazer acordo é a parte.
ConJur — Existe uma pressão do cliente para que o advogado vá direto para o judiciário?
Celso Mori — Sim, o cliente, movido pela emoção ou excessiva ambição econômica, acredita que procurou o advogado para brigar na Justiça. Há pouco tempo, tinha uma questão de família e a cliente queria que nós entrássemos com uma ação para restringir e disciplinar as visitas do filho ao pai. Ao exarminamos a questão, achamos que ela estava certa, mas percebemos que a situação não se resolveria no Judiciário. É como se você estivesse correndo um risco que não precisa. Esse é o sentido do velho brocardo: às vezes um mau acordo pode ser melhor do que uma boa demanda. A demanda sempre tem um componente de surpresa.
ConJur — O senhor percebe que os advogados resistem a uma tentativa de acordo prévio?
Celso Mori — Há uma visão deturpada e corroída do que seja a composição. Outro dia eu fui procurar um escritório de advocacia de grande renome para marcarmos uma visita para discutir uma solução amigável para um caso. Eu não só não tive resposta até hoje, como eu sei que o advogado desse escritório disse ao juiz que se nós não estivessemos reconhecendo o direito dele, não o teriamos procurado para um acordo.
ConJur — É possível mudar essa visão que o senhor chamou de deturpada?
Celso Mori — A alteração da grade do curso de Direito seria uma forma de mudar essa cultura. A própria Constituição prevê outros mecanismos alternativos de solução de conflitos que ficaram no campo vago e eterno das normas programáticas. Juntamente com a mudança da grade curricular, teria que ser repensada a forma de atrair a sociedade para esses mecanismos alternativos. Tive um sócio que foi estagiar no Japão. Lá, menos de 10% dos advogados são do contencioso. A advocacia contenciosa na cultura japonesa é considerada uma degradação da relação social. Vão a juízo as pessoas que estão se confessando incapazes de conviverem harmonicamente. Nós, no Brasil, estamos no caminho inverso. E hoje a audiência de conciliação é facultativa.
ConJur — Como assim?
Celso Mori — Se o juiz entender que não há possibilidade de conciliação, ele não é obrigado a fazer a audiência de conciliação. O que é um pouco absurdo, porque se as partes foram a juízo é porque elas, de motivação própria, não têm energia para conciliação. Então, seria preciso que o Estado propiciasse a elas um momento de reflexão.
ConJur — O senhor acredita que evitando a litigiosidade pode-se garantir mais satisfação para as partes?
Celso Mori — Essa contenção não está na nossa cultura. Alguns anos atrás, quando fui vice-presidente do Instituto dos Advogados do Brasil, na gestão do Nelson Kojranski, foi solicitada a opinião da classe dos advogados sobre a conciliação e mediação. Tive duas surpresas. A primeira foi saber que o material acadêmico sobre o assunto era raro. A segunda e maior foi a opinião de alguns processualistas. Eles diziam que a conciliação era uma maneira de o Estado fugir das suas responsabilidades e que ele deveria responder a demanda pela prestação de justiça. Completavam dizendo que tinham o direito de litigar.
ConJur — Qual é o limite desse direito?
Celso Mori — Isso é muito relativo. O paradoxo que vai contribuir para uma mudança substancial dessa mentalidade é a arbitragem. A concorrente da atividade jurisdicional é a arbitragem. Nela não há recurso. Se você perdeu a primeira decisão, goste ou não, acabou.
ConJur — Existe uma cláusula que diz isso?
Celso Mori — Sim, mas muitas pessoas não aceitam isso e depois vão ao Judiciário tentar anular a arbitragem. Felizmente, os juízes têm reagido de uma forma muito madura, competente e legalista, no sentido de que ao Judiciário só cabe examinar eventuais nulidades da decisão arbitral. Ele não refaz o julgamento quanto ao mérito da arbitragem. Isso tem prevalecido em quase todos os tribunais.
ConJur — Como será a advocacia do futuro?
Celso Mori — A advocacia do futuro será focada na especialização porque as relações jurídicas são cada vez mais complexas. Mas, o advogado tem que se especializar sem perder a visão dos fundamentos do Direito. Isto é, se especializar em marcar gol de cabeça, mas saber chutar com os dois pés. Com a especialização, a idéia de colegiado é reforçada. Assim, é preciso se agrupar com outros profissionais que sejam especialistas em outras matérias. Isso dá credibilidade e consequentemente os clientes aumentam.
ConJur — E quanto às butiques jurídicas. Acredita que essa tendência se aplica a elas também?
Celso Mori — Não, elas sempre vão existir em determinadas especializações. Mas acho que os escritórios tendem a crescer, e se tornar uma realidade mais forte. Hoje em dia quando cuido de um caso de família, posso requisitar meu especialista em tributário para saber as implicações dessa área na separação. O mundo é complexo.
ConJur — A estrutura dos escritórios do futuro será muito diferente da que conhecemos hoje?
Celso Mori — Hoje em dia a estruturação de uma prestação de serviços que se pretenda eficiente e competente exige equipamentos e investimentos que são mais facilmente feitos em conjunto. São necessários sistemas de informática, de comunicação com o cliente, de armazenamento de informações e de arquivos. São investimentos caros, que funcionam melhor quando você tem um escritório com vários parceiros. No exterior já há quem fale em investidores financeiros do escritório de advocacia. Tem até escritório de advocacia na Austrália pensando em abrir capital na bolsa. Não acho que a gente chegue a isso.
ConJur — Mas a Austrália não é um caso isolado.
Celso Mori — Uma vez fui a um escritório de advocacia em Dallas, nos Estados Unidos. Quando cheguei imaginei que estivesse chegando ao maior escritório de advocacia do mundo, porque era um prédio bonito só de advogados e uma lista enorme de nomes. Depois de uma hora lá dentro, soube que um investidor construiu o prédio, com todos os serviços necessários para escritório de advocacia, informática, biblioteca, sala de reuniões, serviço de xerox, e ele alugava salas para advogados.
ConJur — Como os escritórios devem se adaptar agora com essa boa fase do Brasil?
Celso Mori — O escritório Pinheiro Neto, há uns 15 ou 20 anos, era o maior escritório de advocacia do país. Já se falava em alguns escritórios estrangeiros olhando para o Brasil. Quem vem de fora pergunta três coisas: quem é o especialista, o maior e o melhor? Quando soubemos disso, fizemos algumas reuniões estratégicas e decidimos que não iríamos brigar para continuarmos sendo os maiores. O tamanho é um custo, principalmente em um escritório como o nosso que registra todos os funcionários. Resolvemos investir em qualidade, porque achamos que sempre vai haver espaço para quem seja o melhor ou para quem seja especialista. A idéia do escritório, naquele momento e hoje, é a de qualificação dos seus profissionais.
ConJur — Ha lugar para estrangeiros no mercado de advocacia do Brasil?
Celso Mori — Com a globalização é inevitável que os escritórios passem a viver um regime muito mais competitivo. Mas acredito em uma competição sadia, não estou falando de competição predatória. Tenho a impressão de que não vai acontecer no Brasil o que aconteceu na França. Lá são pouquíssimos os grandes escritórios genuinamente franceses. A grande advocacia na França, a advocacia empresarial especialmente é feita por escritórios internacionais. E isso de certa forma acontece na Espanha e em Portugal. A advocacia no Brasil, e se tratando de Direito brasileiro, vai sempre seguir determinadas regras que são ditadas pela Ordem.
ConJur — Qual é o mercado para os advogados no Direito Internacional?
Celso Mori — Há um espaço de uma advocacia internacional quando um banco, por exemplo, vai fazer uma captação internacional de dinheiro e vai fazer um contrato regido pela lei de Nova York. O contrato que tanto poderia ser redigido em Nova York quanto em São Paulo, dá a liberdade de escolher qual o advogado que ele vai usar. E esse tipo de competição vai imprimir ao mercado algumas tendências, principalmente de melhor preparação dos escritórios brasileiros e a decisão de alguns escritórios de se manterem independentes.
ConJur — A Turma Deontológica do Tribunal de Ética da OAB decidiu que sociedades de advogados estrangeiros não podem se associar com advogados brasileiros. Essa decisão não vai contra uma tendência mundial?
Celso Mori — Não acho que vá contra. Estamos falando de estabelecer regras para essa convivência. A Ordem não é contra um escritório estrangeiro se estabelecer no Brasil para tratar de direito estrangeiro. Ela está procurando combater, através dessa restrição, atitudes não explicitas. Um escritório estrangeiro não pode praticar advocacia de Direito brasileiro, mas ele compra um escritório composto por advogados brasileiros, cria uma aparência de independência entre os dois, e passa a praticar o Direito brasileiro.
ConJur — Caso essa associação entre estrangeiros e brasileiros fosse permitida qual seria o impacto no mercado de trabalho para os advogados?
Celso Mori — Seria ruim porque existe um princípio mais antigo e fundamental na profissão, de que só advogados brasileiros podem dirigir profissionalmente advogados brasileiros. No Brasil, apenas advogados podem ser supervisor ou diretor de departamento jurídico. Um advogado americano, que não tem nenhum compromisso com as práticas jurídicas brasileiras, não pode dirigir um advogado brasileiro na prestação de serviços jurídicos a respeito de leis brasileiras. A posição da Ordem me pareceu bastante correta e clara.
ConJur — Uma parte do Conselho vai recorrer da decisão do TED. Existe uma interpretação menos restritiva dessa regra?
Celso Mori — Não sei qual seria o ponto recorrível disso. A decisão da Ordem é que os escritórios estrangeiros podem vir para o Brasil, podem trabalhar no Brasil desde que se limitem a cuidar de Direito estrangeiro. Da mesma forma que nós podemos ir a Nova York abrir um escritório lá para responder perguntas sobre Direito brasileiro.
ConJur — O senhor acredita que um cliente estrangeiro que necessite de um especialista em direito brasileiro procuraria um estrangeiro no Brasil para este serviço?
Celso Mori — A OAB não permite que um escritório estrangeiro compre um escritório já montado ou monte um escritório de advogados brasileiros. O cliente quando procura a banca está se relacionando com um advogado brasileiro, mas a organização é dirigida por alguém que não é versado em direito brasileiro e que não é inscrito na OAB.
ConJur — Quais as áreas da advocacia que serão mais requisitadas com o crescimento da economia brasileira?
Celso Mori — A arbitragem é uma área em crescimento. O direito ambiental é uma área que veio para ficar, e vai ser cada vez mais sofisticado. Há uma coisa que nós fazemos muito pouco, mas que tende a ficar mais importante, o Direito Eleitoral. Nunca vai ser uma área grande, porque ela é uma área sazonal, mas é uma questão importante. O direito tributário sempre vai ser uma área em expansão, porque a questão da tributação é uma questão permanente. O direito da informática em um determinado momento pode se tornar bem mais importante do que hoje. Assim como uma revisita de alguns institutos do Direito com a ótica da Internet vai ser necessária e vai criar espaços também para especialistas.
ConJur — O advogado contencioso tende a desaparecer por causa desse tendência em favor do consultivo, da conciliação?
Celso Mori — Não acredito nisso porque por mais eficientes que sejam os mecanismos de conciliação sempre vão existir aquelas situações em que você não consegue fugir da demanda. Não estou dizendo que o processo seja desnecessário. Mas teríamos um Poder Judiciário concentrado em situações de alta complexidade, e não um sistema judiciário perdido na banalização das demandas. Se nós não tivermos uma mudança de paradigma nós vamos continuar patinando.
ConJur — Existe uma massificação dos processos no Judiciário?
Celso Mori — Os tribunais não julgam processos, mas pilhas de processos. O relator se dedica ao trabalho, faz o voto e leva para a turma ou a câmara a que pertence. Se nenhum dos outros integrantes da câmara manifestar curiosidade ou motivo para destacar um caso, todos os casos daquele relator são considerados julgados de acordo com o relatório. Em um tribunal grande, ao abrir a sessão o presidente lê a ata da sessão anterior e diz que foram julgados 450 processos. Se dividirmos o número de julgados pelo tempo da sessão, chegaremos à conclusão de que cada processo é julgado em menos de um minuto. Tem muito trabalho por trás disso, mas tem um mecanismo para responder a uma justiça de massa. É por isso que cada vez mais os advogados marcam audiências com os desembargadores e com os ministros e cada vez mais se inscrevem para fazer sustentação oral. É a maneira de você tirar o seu caso da pilha e fazer com que o julgamento seja efetivamente colegiado. A Carta Magna da Inglaterra no artigo 45 tem uma disposição que trata da morosidade, ou seja, é obrigação do estado entregar uma justiça célere.
Conjur — Instrumentos como o Recurso Repetitivo e Repercussão Geral são benéficos?
Celso Mori — Ainda não há um efeito, mas há uma lógica organizando isso. O sistema da Civil Law, nesses últimos trinta anos, caminhou no sentido de respeitar a jurisprudência e precedentes. O que é muito importante em termos de estabilidade das relações sociais. Quando o cliente me perguntava como o juiz irá decidir a demanda dele eu dizia que no Civil Law, segue-se a lei, mas no Commom Law é preciso ver como os tribunais têm decidido a respeito do assunto. Isso era assim há 30 ou 40 atrás, mas hoje a jurisprudência já é bastante valorizada, mesmo no nosso sistema de Civil Law.
Conjur — Mesmo na primeira instancia?
Celso Mori — Quando os Tribunais padronizam determinadas soluções, estão aproximando o direito da lógica, e dão segurança jurídica, porque você pode de antemão dizer ao seu cliente o resultado provável da demanda. Quando você tem decisões desencontradas, cada juiz fazendo as suas decisões em uma exacerbação de ativismo jurídico e jurisdicional, cria-se instabilidade que gera insegurança jurídica. Neste caso é preciso fazer futurologia, porque se fica dependendo excessivamente do subjetivismo. O subjetivismo é importante, mas a orientação ou a fixação de uma determinada interpretação pelos tribunais superiores, é muito mais importante em termos de segurança jurídica.
Conjur — Quando o recurso escolhido para paradigma não está bem fundamentado, não existe o risco de julgar a exceção como regra?
Celso Mori — Quando um caso vai ser um paradigma é importante que ele seja o mais rico em termos das variáveis daquela hipótese. Para que a tese que venha a surgir dele não seja equivocada. Assim, surge a importância do amicus curiae, que não é uma figura comum no Brasil, mas que começa a se tornar. Casos emblemáticos abrem instâncias de debate com a sociedade.
Conjur — Isso acontece sempre?
Celso Mori — Houve uma decisão do STJ, a meu ver equivocada, em que uma determinada questão escolhida para ser paradigma dos casos repetitivos não estava bem preparada, o precedente não tinha sido suficientemente detalhado em todos os aspectos que poderiam estar envolvidos no caso. Então, houve uma tentativa das partes, quando o caso foi destacado para o julgamento padrão do paradigma, de retirar o recurso. Mas a ministra Nanci Andrighi decidiu que, a partir do momento em que o caso já tinha sido escolhido para ser o paradigma, o interesse público do caso prevalecia sobre o interesse particular, e que naquele caso o recurso não poderia ser mais objeto de desistência. E o caso foi julgado.
Conjur — Como é no Supremo Tribunal Federal?
Celso Mori — No caso do Supremo, a regra da Repercussão Geral me parece muito feliz e muito efetiva. Na década de 60 ou 70, a regra era da relevância jurídica, mas era paradoxal. A Constituição cuida de tudo, mas ela cria uma porção de dificuldades, porque, a rigor, qualquer coisa que se discuta em termos de Direito diz respeito a uma previsão constitucional. A relevância jurídica não resolvia, porque todo direito é relevante. A regra de seleção do STF hoje é: vamos julgar as questões que tenham uma repercussão social compatível com as questões constitucionais. Esse me parece um critério bastante objetivo.
Conjur — Há uma discussão no Supremo e no STJ em relação ao limite de atuação e das instâncias recursais dos Juizados Especiais que não ficaram bem definidas na lei. Como resolver essa lacuna?
Celso Mori — Esse é um tema muito importante, porque os Juizados Especiais têm papel significativo na questão da litigiosidade e da judicialização. Quando os Juizados Especiais foram concebidos não se imaginou que chegaríamos a essa contradição. As decisões são recorríveis simplesmente aos Colégios e aí criou-se um casulo, onde se decidem as coisas como se fosse uma jurisdição completamente diferente. E a solução de levar a questão do Juizado Especial para o Supremo me parece uma distorção.
Conjur — Por que?
Celso Mori — É uma contradição criar um sistema alternativo de judicialização por um trajeto mais simples e de repente você saltar do colegiado para o Supremo. Isso não faz sentido. O STJ deveria ter poder avocatório sobre questões repetitivas no Juizado Especial ou questões que tivessem implicação mais jurídica do que fática.
Conjur — E quanto ao caso dos planos econômicos, em que o STJ deu uma decisão e em seguida o STF modificou em sentido contrário?
Celso Mori — Tinhamos no Brasil uma taxa de juros e correção estabelecida pelos bancos, a taxa AMBID, que era neutra do ponto de vista político ou de interesse de classe, Só que em um determinado momento o Banco do Brasil começou a usar essa taxa em contratos com agricultores, que não tinham a menor idéia do que era essa taxa. E o Banco do Brasil, nesses contratos, usava a AMBID taxa que já era uma combinação de juros e correção, mais ou menos como hoje é a taxa Selic, e ainda colocavam um percentual a mais de juros. O STJ examinando 20 contratos de agricultores contratando com o Banco do Brasil baixou uma Súmula que dizia que a taxa AMBID era ilegal. Esse é um exemplo de como você pode fazer um exame das simetrias sem considerar exatamente as peculiaridades de cada situação e aplicar uma norma geral, que não se aplicava a todos circunstantes daquela norma.
Conjur — O que fazer nessas sistuações?
Celso Mori — Depende de como as questões são colocadas em um determinado processo e como elas são colocadas em outro. Nós também teremos que passar por uma fase de aprendizado nessa questão de uniformização da jurisprudência. Nas escolas da Commom Law, onde o precedente tem muito valor, em todos os anos dos cursos os alunos pegam dois casos concretos parecidos e fazem a analise do que é igual, do que é parecido e do que é diferente. Nós não temos esse treinamento.
ConJur — A previsão da Emenda Constitucional 45 de "duração razoável do processo" sutiu algum efeito prático?
Celso Mori — Minha expectativa é que nós consigamos evoluir no sentido de criar uma cultura de conciliação, de composição de interesses, e usar os mecanismos que são permitidos e até previstos na Constituição como as formas alternativas de resolução de conflitos. E deixar o Poder Judiciário com as questões que na sua ultima redução não possam ser resolvidas pelos particulares. Mas também aparelhar o Poder Judiciário em termos de equipamentos, instalações, funcionários, salários, para que haja uma prestação de serviço de qualidade.
ConJur — Mas para o maior cliente do Judiciário, que é o Estado, não se aplica a arbitragem . Como lidar com essas situações?
Celso Mori — O Estado somos nós, ninguém em sã consciência pode ser contra o Estado, porque ele vive como representação da sociedade civil. Agora, a maneira como nós tratamos o Estado no processo é pouco republicana. O Estado tem vantagens no processo que nenhuma parte poderia ter.
ConJur — Quais vantagens?
Celso Mori — A Constituição estabelece determinadas regras de competência. Na Federação, a competência principal é dos estados federados. A competência da União é residual. A Constituição estabelece as causas que devem ser julgados nos tribunais federais. No entanto, a legislação ordinária diz que a União pode entrar em qualquer processo, mesmo que não tenha interesse jurídico; basta que tenha interesse econômico. A União tem interesse econômico até na separação judicial do Joãozinho e da Mariazinha, porque nessa separação, dependendo de como eu a organizo, serão pagos ou não serão pagos determinados impostos. Então, a União tem interesse tributário. Além disso, a Fazenda Pública, na regra atual do processo, não paga os mesmos honorários de advogados que paga a parte privada que perde a causa. A lei manda que a parte vencida pague os honorários não para enriquecer a parte vencedora, mas para desencorajar aventuras judiciais.
ConJur — O procurador tem a obrigação legal de litigar. O Estado não deveria arcar com as consequências disso?
Celso Mori — Há um discurso aparentemente muito organizado, mas que tem pés de barro. A tese é que a União não pode pagar sucumbência, porque como ela litiga contra todo mundo se tivesse que pagar a sucumbência, pagaria fortunas. Esse discurso se desqualifica por si próprio, porque está dizendo que a União litiga sem necessidade e perde mais do que ganha. Se litiga quando tem necessidade e ganha mais do que perde, ela vai ser a maior interessada nas sucumbências. Mas essa questão é um pouco mais sensível mesmo. Os procuradores do Estado não têm poderes para transigir e por conta disso os julgamentos são levados às últimas conseqüências. Isso é um absurdo total, isso é uma negação do bom senso. A União no processo deveria ser vista como posição de parte e ter as responsabilidades da parte.
ConJur — O procurador também tem aquela pilha que o juiz tem. Só o prazo em dobro resolve essa diferença?
Celso Mori — Processo judicial é serviço público. E todo serviço exige uma estrutura e toda estrutura custa dinheiro. Então, o estado tem que se convencer de que serviço judiciário é importante, custa dinheiro e tem que ter recursos disponíveis. E as partes têm que se convencer disso também. As custas no Brasil são muito maltratadas. Há um falso conceito de que a justiça tem que ser gratuita. Quando a pessoa não tem condição de pagar ela não pode ser privada do serviço público, só que isso também se banaliza. Tive um caso em que a parte que cobrava o meu cliente tinha fazenda, helicóptero, Mercedes e assistência judiciária gratuita. E ele não pagava custas processuais. Existem regras de temperança. A regra diz que todo aquele que briga contra seu empregador não precisa pagar custas. Na Justiça do Trabalho isso se justifica até em determinado nível, mas não deveria ser regra absoluta.
ConJur — Na Justiça Criminal, a situação é inversa: as pessoas pobres se sacrificam para pagar um advogado caro para não ver o parente preso?
Celso Mori — Isso é uma coisa que critico na Ordem dos Advogados. O serviço de assistência judiciária deveria ser prestado de forma mais organizada. A OAB brigou muito para que isso fosse uma atribuição dos advogados, há muitos advogados nos estados que vivem disso, há muitos advogados dedicadíssimos, que prestam esse serviço como um sacerdócio. Mas tem muito advogado que não presta o mínimo de qualidade nesse serviço e não há um mecanismo de controle.
ConJur — Só orçamento resolveria situações como essa?
Celso Mori — Quando se fala que vai ser feito um investimento no judiciário de R$ 200 milhões, todo mundo acha que é um valor impressionante. Mas, quando resolvem fazer um viaduto que vai custar um bilhão e meio, as pessoas acham a coisa mais banal do mundo. A canalização dos recursos do Estado é feita por critérios eleitorais: as obras que se vêem e as obras que não se vêem.
ConJur — O que falta para a Justiça melhorar?
Celso Mori — Não é uma causa única, e todas têm que ser trabalhadas simultaneamente. É necessário mudar o Código de Processo Penal e Civil, a estrutura de seleção de juízes, a estrutura dos cursos jurídicos, para que os cursos preparem mais adequadamente juízes, advogados e promotores. Também é necessário treinamento e requalificação de pessoal, bem como a organização de rotinas de trabalho. Para tudo isso existem sistemas e técnicas de administração. Além disso, é preciso considerar o serviço público como um serviço e fazer um orçamento sério levando em conta a demanda, os serviços necessários, quanto vai se gastar com esse serviço e quem vai pagar por isso. É a melhoria do serviço como um todo de uma forma orgânica, de uma forma sistematizada.
ConJur — Que parece que o Judiciário não tem.
Celso Mori — Ele não tem porque padece de um mal que afeta a toda sociedade: o corporativismo. Nesse aspecto o Conselho Nacional de Justiça está quebrando um paradigma, porque ele não é e não pode ser um órgão corporativo. Lá há representantes de vários seguimentos da sociedade.
ConJur — O ideal então seria que os orgãos de controle tivessem múltiplas visões?
Celso Mori — É interessante isso, porque todo mundo acha bonito e politicamente correto defender a diversidade, mas só que vamos defender a diversidade enquanto ela afeta o outro, se ela me afetar, não. A reforma do Judiciário não é uma missão do Judiciário, é uma missão do Estado e da sociedade civil. Em certa ocasião um político, que não vou mencionar o nome, reduziu o orçamento do judiciário de 5% para 4%. Telefonei para ele e questionei o motivo. Ele justificou que o Judiciário não sabia fazer orçamento, e ainda gastaria mal o dinheiro. É como dizer: “Eu não te dou mesada, porque você não sabe gastar.” Economizou a mesada, mas não resolveu o problema.
ConJur — Quais são suas impressões sobre a reformas que o Legislativo está fazendo com o Código de Processo Civil?
Celso Mori — A reforma está muito bem orientada, focada na questão dos recursos, na questão das instâncias superiores especiais e extraordinárias.
ConJur — Mesmo quando se trata dos honorários sucumbênciais?
Celso Mori — Essa precisa de ajustes. O processo tem um custo e faz parte do custo a sucumbência. Acho boa a idéia geral de que quanto mais você briga, mais você paga, caso perca. Mas, o principal na reforma é que ela deveria ter um pequeno ajuste na questão da primeira instância. A grande meta deveria ser trazer o processo de volta para a primeira instância. No sistema atual, a primeira instância virou simplesmente um rito de passagem, as coisas não se resolvem definitivamente nela quase nunca e ganhar ou perder em primeira instância é quase indiferente. A reforma teria que dedicar um pouco mais de atenção em mecanismos para fixar e resolver o processo em primeira instancia.
ConJur — Como foi para o Pinheiro Neto contratar uma Assessoria de Imprensa? Isso faz parte dessa estruturação do escritório?
Celso Mori — Não é fácil o papel de Assessoria de Imprensa em um escritório de advocacia porque ele é muito restrito. A filosofia do escritório é de low profile, de não aparecer. Mas, como o escritório segue na sociedade ele tem necessidade de ter relações com a imprensa. Para satisfazer a essa necessidade, nós que acreditamos em especialização, passamos a ter a ajuda de especialistas nesse dialogo com a imprensa e com a sociedade