Whatsapp(11)96994-2019
No início deste ano, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, anunciou o envio ao Congresso Nacional de um anteprojeto de lei, pretendendo regulamentar a "terceirização". O ministro ressaltou a necessidade de regulamentar a terceirização de modo a proteger os empregados, e ainda afirmou que estava se dando um importante passo para a melhoria da vida dos trabalhadores brasileiros.
Em nosso Curso de Direito do Trabalho (LTr, 2008), definimos terceirização como um "neologismo criado para explicar um negócio jurídico complexo, no qual uma empresa contrata os serviços especializados de outra, que os prestará, normalmente, por intermédio de seus empregados."
Não se trata, realmente, de um "instituto jurídico", na acepção científica da expressão, mas sim de uma mera estratégia de administração empresarial, por intermédio da qual uma empresa contrata e delega serviços a terceiros, a fim de propiciar uma maior racionalidade na produção. Sua utilização, aliás, é encontrada desde tempos imemoriais.
Existem vantagens administrativas, econômicas e operacionais com a terceirização : a empresa passa a ter maior disponibilidade para concentrar sua atenção no processo produtivo e na sua melhoria contínua. Porém, inúmeras foram as péssimas experiências ocorridas no passado, o que deixou a mancha indelével da fraude, hoje automaticamente associada com a simples menção da palavra terceirização.
Em face do vácuo normativo, o Poder Judiciário trabalhista foi chamado a se pronunciar. Hoje tudo o que temos para orientar o julgador e o intérprete são as orientações da Súmula Tribunal Superior do Trabalho (TST) nº 331. Entretanto, apesar dos esforços da jurisprudência, a verdade é que a terceirização não se conforma a um conceito jurídico preciso.
A razão desse insucesso é a teima em buscar uma definição jurídica, pela criação de uma série de dogmas jurisprudenciais, quando o fenômeno na verdade diz respeito à técnica de administração de empresas.
A grande maioria dos juristas brasileiros insiste em conceituar a "licitude" da terceirização sob os parâmetros imprecisos do tipo de "atividade" (atividade-fim ou atividade-meio) que é transferida para o prestador de serviços, não conseguindo verificar que, de fato, o gênero da atividade não constitui em si mesmo um requisito para a ocorrência do fenômeno. Este se apresenta, sim, como um processo de racionalização da produção, de modernização contínua e de fomento à produtividade.
E mais. Verifica-se claramente, por trás das linhas da jurisprudência e da doutrina, uma clara intenção de se criar um modelo de "ilicitude" fundada em simulacros, e com isso expurgando de nosso sistema econômico as empresas prestadoras de serviço, tal como párias.
Pior ainda, são as atabalhoadas tentativas de regulamentar juridicamente essa simples estratégia administrativa.
O projeto de lei feito em "parceria" pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e as Centrais Sindicais, por exemplo, se baseia em vários desses simulacros. Logo se inicia vedando a "contratação de serviços terceirizados na atividade fim da empresa tomadora de serviços" (artigo 2º).
Os conceitos de "atividade-meio" e "atividade-fim" recendem ao tempo em que se discutia o que era "causa" e "efeito" na atividade produtiva.
Nas empresas modernas, não há grande interesse da definição da causalidade; tendo em vista que tais concepções só são realmente válidas para sistemas mecânicos.
A empresa moderna é um sistema orgânico, em que uma série de eventos são combinados para formar diversas conexões, as quais se alternam, sobrepõem ou se combinam e, dessa maneira, determinam a textura do próprio sistema.
Mais adiante, o anteprojeto exige uma verdadeira carrada de documentos, cria procedimentos e estabelece obrigatoriedades burocráticas, que levam a empresa tomadora de serviços a quase substituir a prestadora, na administração dos seus bens e de seu pessoal (artigos 3º , 4º e 5º).
Logo depois, contudo, o mesmo anteprojeto parece lançar à inutilidade absoluta toda a burocracia que impõe, pois que determina a "solidariedade" nas obrigações, de todas as naturezas, entre tomador e prestador de serviços, no que diz respeito aos empregados desta última (artigo 6º).
Com efeito, essa solidariedade não é outra coisa senão um convite para que as empresas prestadoras de serviços cometam todo tipo de vilipêndio aos direitos de seus empregados, pois que haverá um sentimento de "irresponsabilidade", já que sempre contarão com um "pato" para pagar a conta, qual seja, o tomador de serviços. E essa é apenas uma das inúmeras consequências perniciosas dessa trágica opção legislativa.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) relata que a demanda pela mão de obra apresenta decréscimo, em todo o mundo, nas últimas três décadas, e podemos antever uma diminuição ainda maior. Hoje, por exemplo, já se exige do candidato a qualquer emprego uma especialização técnica mínima, o que já torna grande parte da população mundial simplesmente inimpregável (fonte: Global Risks 2010 - A Global Risk Network Report - World Economic Forum, janeiro/2010). Na atualidade, apenas a atividade de prestação de serviços permite, ainda que parcialmente, a absorção dessa mão de obra.
Não há a menor dúvida que a terceirização deve ser regulamentada, porém de tal modo que favoreça a atividade produtiva, crie novos empregos e assegure os direitos de todos os trabalhadores, impedindo e punindo as eventuais fraudes. Porém, nada disso será conseguido com uma norma jurídica que, bem analisada, revela-se ineficiente, sob quaisquer parâmetros, contendo falsos preceitos, e que será provável causadora de prejuízo ao bem-estar social.
Quem deseja legislar, deve se lembrar continuamente da lição do velho poeta Horácio: leges sine moribus vanae (se faltar a moral, a lei é inútil).