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O ministro da Fazenda, Guido Mantega, confirmou, na semana passada, que o governo está fazendo "caixa" com o dinheiro que deveria estar devolvendo aos contribuintes que pagaram mais imposto de renda do que deviam e, agora, têm direito à restituição. Com o atraso na devolução do IR, que deverá se estender para 2010, o Tesouro Nacional já se "apropriou" de R$ 1,5 bilhão.
O ministro disse que esse é um procedimento "normal" e atribuiu o problema à demora na recuperação das receitas tributárias, que tiveram queda importante por causa da crise global. De janeiro a agosto, conforme os últimos dados oficiais disponíveis, as receitas tributárias registraram queda nominal de 0,8%. Os gastos do governo federal, no entanto, aumentaram exuberantes 16,1% nesse mesmo período.
A primeira questão que se coloca, diante destes dados, é se a maior parte do problema está na redução das receitas - já claramente esperada em 2008, tão logo se instalou a crise financeira mundial - ou no aumento das despesas, estas sim, sob total controle do governo. A arrecadação de impostos costumam começar a reagir com certa defasagem, após uma abrupta queda do nível de atividade como a que ocorreu no último trimestre do ano passado e no primeiro trimestre deste ano. Os primeiros sinais de recuperação da economia só começaram a aparecer no segundo trimestre deste ano. Isso significa que as empresas que recolhem seus tributos a cada trimestre, em cota única, começarão a pagar um pouco mais a partir de outubro. As que optam pela declaração anual só vão comparecer no próximo exercício.
Como boa parte da base de impostos está na indústria, e esta sentiu mais os efeitos da crise - até agosto seu desempenho estava 10% abaixo do período pré-crise - é natural, portanto, que sua contribuição para o aumento da arrecadação demore mais a aparecer. Os especialistas apontam dezembro como o mês em que poderá haver uma boa reação das receitas, pois a adesão ao último programa de reestruturação de débitos fiscais termina em novembro e os primeiros pagamentos começam no mês seguinte. Setembro foi ruim para a arrecadação.
Assim, para os técnicos do fisco e, portanto, para o governo, não deveria ser motivo de surpresa a demora em se obter resultados, no caixa da União, da recuperação econômica em curso. Assim como não deverá ser surpresa os efeitos que a perda de lucro das empresas terá sobre o pagamento futuro de impostos. Quem registrou prejuízo este ano acumulou crédito contra o fisco.
Como parte do efeito da crise mundial, a receita fiscal do governo, de janeiro a agosto, caiu R$ 34,9 bilhões em relação ao mesmo período de 2008. Segundo dados oficiais, a ação do governo para evitar uma recessão prolongada, entre aumento do gasto e renúncia de receita, representou 1,2% do PIB (R$ 36 bilhões). Ao mesmo tempo, mas sem qualquer relação com a crise, o governo gastou R$ 15,8 bilhões a mais com salários do funcionalismo e R$ 10,2 bilhões a mais em custeio da máquina administrativa até agosto. Com investimentos, o aumento foi de R$ 1,4 bilhão.
Nas últimas semanas, preocupado, o governo começou a "catar moedas sob o sofá", como disse alta fonte da área econômica. Reduziu a meta de superávit primário do ano, se apropriou dos depósitos judiciais que estavam nos bancos, apertou o pagamento de dividendos das empresas estatais e, agora, admitiu que está fazendo caixa com o dinheiro das restituições do IR.
Desde o ano passado especialistas em contas públicas alertam para o que chamam de "gastança" do setor público. Tal percepção só veio a constar de um documento oficial há duas semanas. Ao divulgar o relatório trimestral de inflação, o Banco Central chamou a atenção para os efeitos do "impulso fiscal" e da queda dos juros. O BC atribuiu a essas duas ações a elevação de 3,9% para 4,4% na expectativa de inflação para 2010. Sob orientação de Mantega, o secretário de política econômica, Nelson Barbosa, considerou as repercussões do relatório um ato de "terrorismo fiscal".
É importante lembrar, ainda, que em meio a todas dificuldades da arrecadação, houve desarticulação da fiscalização seguida de uma crise de grandes proporções na Receita Federal, que ficou sob comando interino por 28 dias (entre julho e agosto). Diante de tantas incertezas que a crise mundial trouxe e das particularidades da economia brasileira, o fato é que governo confiou demais na rápida recuperação do país e foi negligente com a despesa.