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Um fenômeno interessante que o mundo das relações trabalhistas vem enfrentando é o que diz respeito à terceirização. Órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, sindicatos, empregados e empregadores parecem ter chegado a um denominador comum: é necessária uma urgente regulamentação desse fenômeno, que basicamente consiste no fornecimento de mão de obra especializada entre empresas, por meio de uma relação de natureza comercial.
A inexistência de regras que viabilizem com clareza a prestação de serviços entre empresas, a fim de refinar e especializar cada vez mais a mão de obra empregada nos mais variados segmentos da economia, tem feito com que as regras sejam criadas pelo próprio Poder Judiciário, a quem caberia, antes de tudo, a estrita observância das normas vigentes. Entretanto, diante da lacuna legislativa, acaba sendo atribuição das cortes trabalhistas o encargo de tentar regular a situação através das próprias normas existentes atualmente.
Em razão disso, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), no fim de em 2003, com a edição da Súmula nº 331 manifestou o entendimento de que, basicamente, os setores de vigilância e conservação podem ser terceirizados, sem que se crie vínculo entre os empregados dessas empresas especializadas e o tomador dos serviços. No mais, qualquer terceirização seria lícita, desde que não ligada à "atividade-fim" do tomador, e sem que haja pessoalidade e subordinação direta entre o funcionário terceirizado e a empresa contratante do serviço terceirizado.
Surgiram então dois grandes dogmas: atividade-fim e subordinação. Mas em que consistiriam, exatamente, cada um deles? Quando, afinal, seria viável e segura a terceirização?
A jurisprudência, então, passou a tentar definir tais conceitos. Atividade-fim seria toda aquela diretamente descrita no objeto social da empresa. Por essa razão, por exemplo, seria ilícito uma escola terceirizar professores, mas, a princípio, nada impediria que o fizesse em relação aos cozinheiros do refeitório, desde que inexistente a pessoalidade e subordinação direta entre o cozinheiro e a escola.
A jurisprudência passou então a analisar o que seria essa subordinação. Num primeiro momento, entendeu-se que o tomador de serviços não poderia dirigir os trabalhos dos prestadores terceirizados, dar-lhes advertências ou fiscalizar-lhes os horários. Tampouco poderia determinar a forma como o serviço seria prestado e nem qual a pessoa que deveria executar esta ou aquela tarefa.
Após seis anos da sedimentação desse entendimento jurisprudencial, algumas cortes trabalhistas passaram a formular um novo conceito para a subordinação: a chamada subordinação reticular.
Essa corrente, que começou no Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, entende que o conceito de subordinação não pode ser visto meramente da ótica jurídica, mas sim, e principalmente, do ponto de vista econômico. A partir daí, tem-se que, havendo subordinação econômica entre a empresa prestadora de serviços e a tomadora, esta seria diretamente responsável pelos empregados daquela, havendo inclusive vínculo empregatício direto.
O fundamento da subordinação econômica vem do princípio da mais-valia, conforme descrito por Karl Marx, a diferença resultante do valor pago pelo empregador em troca da força de trabalho do empregado e importância auferida no mercado pelo produto dessa mesma força de trabalho. Segundo doutrina, aquele que recebe a maior importância a título de mais-valia, seria identificado como ente subordinador, isto é o detentor do poder econômico.
No caso do sistema capitalista, atualmente adotado por todos os países desenvolvidos, o valor da força de trabalho é ditado pelo próprio mercado, assim como o valor produzido por esse trabalho. Em resumo, o capitalismo aceita o princípio da mais-valia e admite que este se regule no mercado com pouca ou nenhuma interferência do Estado.
Quando a jurisprudência trabalhista passa, então, a enquadrar a subordinação do ponto de vista econômico, o que faz é aplicar a responsabilidade direta - e não meramente subsidiária, conforme entendimento preconizado pelo TST pela Súmula nº 331 -, àquele ente que é o detentor da mais-valia e a quem rendem os frutos do produto entregue ao mercado, obtido inclusive em virtude da força de trabalho emprestado por empregados de empresas terceirizadas. Isso porque segundo essa ótica, a empresa terceirizada contrataria mais ou menos funcionários de acordo com a necessidade das empresas tomadoras de serviço. Logo, a elas estariam subordinadas economicamente, formando uma "retícula", uma pequena rede de subordinação econômica, criando, com isso, a figura da subordinação reticular.
Analisados esses diferentes pontos de vista - subordinação jurídica e subordinação econômica -, pode-se notar que a matéria necessita urgentemente de regulamentação pelo Poder Legislativo. A terceirização é uma realidade mundial, capaz inclusive de viabilizar e ampliar postos de trabalho e gerar empregos, desde que seus mecanismos e limitações sejam apresentados em regras claras. A atual diversidade de entendimentos à respeito do assunto e, principalmente, a relativização do sistema capitalista que tem sido adotado pelas cortes trabalhistas, acabam por gerar instabilidade econômica e insegurança jurídica, muitas vezes dificultando o desenvolvimento da economia, o que se agrava nos tempos de crise.
Talvez seja um bom momento para que se crie normas aptas a regular a realidade, ao invés de se tentar adequar a realidade e o próprio modelo econômico adotado no país às sexagenárias normas trabalhistas vigentes, as quais surgiram em um contexto político importante de nosso país, mas que atualmente são insuficientes para a tutela da multiplicidade de relações sociais e econômicas do mundo moderno.
Danilo Pieri Pereira é advogado e sócio do escritório Demarest & Almeida Advogados