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Para muitos, a discussão sobre a obrigatoriedade de todas as empresas adotarem o Novo Padrão Contábil – NPC estaria superada no debate dogmático e não teria qualquer utilidade no presente. Isso tudo em decorrência do comando contido na Resolução CFC nº 1.159/09 (item 2).
Mas, agindo assim, esquecem que esta dista de ser uma questão meramente acadêmica. Na sua base, encontram-se todas as perplexidades sobre o relacionamento entre as normas de direito e as administrativas, que se vão refletir na própria aplicação obrigatória ou não do NPC.
Como se sabe, as Resoluções do Conselho de Contabilidade são atos inferiores a Lei, não podendo contrariá-la, restringi-la ou ampliá-la, uma vez que o ordenamento jurídico pátrio não permite que atos normativos infralegais inovem originalmente o sistema jurídico, conforme decisão do TRF-4ª.
Somente a Lei, e não a autoridade administrativa, poderá criar, extinguir ou alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas do direito.
A interpretação das normas jurídicas que tenham como hipótese a incidência jurídica do NPC, para fins de constituição de obrigação, exige, inexoravelmente, uma interpretação do texto legal que se pretenda aplicar e, bem assim, das normas de direito vigentes no país.
Durante muito tempo, a contabilidade foi quase que exclusivamente a Lei nº 6.404/76. A lei contábil!
A Lei das S/A aplicável também as demais sociedades (ah! o Manual ...) seguiu sendo aplicada até a entrada em vigor do novo Código Civil Brasileiro.
Como a tradição (costume?) não se vence tão facilmente, a manutenção-aplicação da Lei das S/A (lei contábil?) continua a aprisionar.
Escravos libertos!
Mesmo depois da Lei Áurea Contábil, refiro-me ao novo Código Civil, muitos continuam aplicando às LIMITADAS o modus operandi da Lei das S/A, mesmo naquilo que foi derrogada. Costume!?
É interessante observar que o fim da escravidão no Brasil não foi sinônimo de liberdade. Não para os negros. Apesar da alforria, o trabalho e as condições de sobrevivência mantiveram-se. Continuavam sobre o julgo dos poderosos, mas não só destes, como também de vozes mais cultas, como as de cientistas, pesquisadores e historiadores.
Na atualidade, o contador contábil continua fazendo contabilidade como sempre fez, como lhe ensinaram na faculdade, como estava no Manual, repetindo informações, sem a superação do tradicionalismo que impregna a mente dos Senhores de Escravos.
Juridicamente, é no novo Código Civil, não na Lei das S/A, que se encontra a incidência obrigacional da contabilidade para as sociedades LIMITADAS.
Para comprovar esse entendimento, apenas quanto à incidência jurídica constar do Código Civil e não da Lei das S/A, trago excerto do Manual de Fiscalização do Conselho de Contabilidade (CFC).
No item 1 deste Manual temos a questão: Por que a contabilidade é obrigatória em todas as empresas? Resposta do Manual: Por exigência legal do Novo Código Civil.
Está lá, no Manual de Fiscalização, elaborado com a intenção de conscientizar, permanentemente, os contabilistas para o melhor cumprimento do seu dever profissional e, ainda, pretendendo minimizar o número de autuações.
Para o cumprimento do dever profissional, esclarecendo o contador, o Manual faz constar que:
a) o empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de Contabilidade e levantar, anualmente, o Balanço Patrimonial (nos termos do art. 1.179 do Código Civil Brasileiro);
b) Os artigos 1.180 e 1.181 do novo Código Civil brasileiro determinam a obrigatoriedade da autenticação do Livro Diário no órgão de registro competente;
c) Portanto, a partir do novo Código, não existe mais dúvida sobre a obrigatoriedade de todos os empresários e as sociedades empresárias manterem sua escrituração contábil regular, especialmente em atendimento ao que estabelece o artigo 1.078, quanto à prestação de contas e deliberação sobre o balanço patrimonial e a demonstração de resultado, cuja ata deverá atender ao que prevê o artigo 1.075, para ser arquivada e averbada na Junta Comercial.
Nesse desvelamento de posição do Conselho de Contabilidade, em consonância com as normas jurídicas positivadas, descortina-se o contexto do texto do item 2 da Resolução CFC nº 1.159/09.
Por certo, a carência de normas jurídicas obrigando todas as empresas a adotarem o NPC fez com que os Doutores da Lei buscassem no item 2 da Resolução CFC nº 1.159/09 a fonte material de uma obrigação não constante de lei.
Consta da Resolução CFC nº 1.159/09, item 2, que “as definições da Lei nº 11.638/07 e da MP nº 449/08 devem ser observadas por todas as empresas obrigadas a obedecer à Lei das S/A, compreendendo não só as sociedades por ações, mas também as demais empresas, inclusive as constituídas sob a forma de limitadas, independentemente da sistemática de tributação por elas adotada”.
Numa leitura apressada, superficial, os Eruditos concluíram que o NPC deve ser aplicado a todas as sociedades limitadas independentemente da sistemática de tributação. É isto que está escrito no item 2 da Resolução. E ponto! Essa é a leitura certa!
Essa conclusão, aliás, é a que, infelizmente, predomina numa inteligência unidimensional.
Parafraseando o estadista francês que disse durante a primeira guerra mundial que a guerra é um processo sério demais para ser deixado na mão dos militares, ouso dizer que a contabilidade é um processo sério demais para ser deixado na mão dos Doutores da lei.
Circunstâncias históricas ajudam a explicar o verdadeiro conteúdo do item 2 da Resolução CFC nº 1.159/09.
De início, como visto acima o Manual de Fiscalização do CFC estabelece que a contabilidade e as demonstrações contábeis das empresas LIMITADAS decorrem da exigência legal do Novo Código Civil.
O Manual esclarece, vale relembrar, que a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de Contabilidade e levantar, anualmente, o Balanço Patrimonial, nos termos do art. 1.179 do novo Código Civil.
Sendo obrigadas a possuir contabilidade e levantar demonstrações contábeis nos termos do novo Código Civil, não são obrigadas a seguir os comandos da Lei das S/A. É óbvio! Isso é o que consta do Manual.
E detalhe, isso tudo está lá no Manual de Fiscalização do CFC, de forma legível!
Noutro momento, no Livro Escrituração contábil simplificada para micro e pequena empresa, chancelado pelo Conselho de Contabilidade, destaca-se que o contabilista deve executar a escrituração contábil e elaborar as demonstrações contábeis da empresa contratante nos termos das disposições vigentes, máxime em atendimento ao disposto no art. 1.179 do Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406/02, segundo o qual, todo empresário ou sociedade empresária está obrigado a adotar e a seguir um sistema de contabilidade. E conclui que essa obrigação aplica-se indistintamente às empresas tributadas pelo Lucro Real, Lucro Presumido, Lucro Arbitrado ou pelas regras do Simples Nacional.
Novo-velho detalhe, isso está lá no site do CFC, de forma legível!
Por seu turno, a Câmara Técnica do Conselho Federal de Contabilidade estabeleceu, no Parecer CT/CFC nº 24/03, que:
1) as empresas constituídas sob a forma de sociedades por ações (sociedades anônimas ou comandita por ações) são obrigadas, de acordo com o art. 176 da Lei das S/A, a elaborar, com base na escrituração mercantil, ao final de cada exercício social, as suas demonstrações contábeis;
2) as empresas constituídas sob a forma de sociedades limitadas atualmente são reguladas pela Lei nº 10.406 de 11 de janeiro de 2002 (Novo Código Civil), onde se estabelece que as demonstrações contábeis devem ser elaboradas anualmente.
Sendo reguladas pelo novo Código Civil, refiro-me às LIMITADAS, é neste que se encontra a obrigação jurídica da elaboração, com base na escrituração mercantil, ao final de cada exercício social, das suas demonstrações contábeis (art. 1.179 – O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico).
No Parecer CT/CFC nº 99/05, a Câmara Técnica do Conselho Federal de Contabilidade, utilizando de parte de editorial do Jornal do CRC Notícias, editado pelo CRCPE, confirma que a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil Brasileiro, estabelece no artigo 1.179 a obrigatoriedade de o empresário e a sociedade empresária seguirem um sistema de contabilidade, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico, e da mesma forma, por força do disposto no artigo 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, as sociedades por ações estão obrigadas a conservarem a escrituração em registros permanentes.
Detalhe, isso tudo está disponível no site do CFC, de forma legível!
Na Resolução nº 1.157/09 o Conselho de Contabilidade estabelece que a obrigação da conta Lucros Acumulados não conter saldo positivo aplica-se unicamente às sociedades por ações, e não às demais. Ou seja, como a reserva de lucros foi suprimida da Lei nº 6.404/76 as S/A são obrigadas a destinar o lucro, mas só vale para as S/A, pois estão sujeitas a essa lei; as sociedades LIMITADAS não estão obrigadas a destinar o lucro, pois não estão obrigadas a cumprir a Lei das S/A!
Guardando vistas a estes posicionamentos (do Conselho de Contabilidade), podemos compreender o conteúdo da obrigatoriedade da escrituração e das demonstrações contábeis:
i) as sociedades anônimas estão obrigadas a escriturar e levantar demonstrações contábeis em razão dos arts. 176 e 177 da Lei nº 6.404, de 1.976; ii) as sociedades LIMITADAS estão obrigadas ao cumprimento da escrituração e demonstrações contábeis em decorrência do Código Civil Brasileiro (art. 1.179).
Agindo assim, o contexto do texto do item 2 da Resolução CFC nº 1.159/09 ganha compreensão. Por certo é preciso que o contador liberto se liberte, de fato, da tradição (ou costume) de seguir a Lei nº 6.404/76. Tradição essa desprovida de fundamentação jurídica, diga-se de passagem.
À distância, o “item 2” dá a impressão de novidade, mas, numa melhor aproximação, vê-se, de plano, que há coerência lógica e histórica.
Vejamos a primeira parte do referido artigo: as definições da Lei nº 11.638/07 e da MP nº 449/08 devem ser observadas por todas as empresas obrigadas a obedecer à Lei das S/A.
OK! Mas quem são as empresas obrigadas a obedecer a Lei das S/A?
Como se viu, o Conselho de Contabilidade orienta, explica, fiscaliza e decide no sentido de que as empresas S/A estão obrigadas a seguir a Lei das S/A (enquanto que as LIMITADAS estão sujeitas ao novo Código Civil – é assim a posição do Conselho de Contabilidade).
OK! Mas e a segunda parte do artigo em análise que descreve: “...compreendendo não só as sociedades por ações, mas também as demais empresas, inclusive as constituídas sob a forma de limitadas, independentemente da sistemática de tributação por elas adotada”.
Estamos num momento de conflito imperativo, poderia uma norma administrativa obrigar algo não previsto em lei? Por certo não!
Então, neste momento vemos a repercussão jurídica do art. 3º da Lei nº 11.638/07 no item 2 da Resolução em análise, ao prescrever (a Lei) que “aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários”.
Ora, a segunda parte do item 2 da Resolução CFC nº 1.159/09 é a representação administrativa deste art. 3º da Lei nº 11.638/07, em consonância com o histórico posicionamento do Conselho de Contabilidade.
Observando com maior acuidade, e ordenando do raciocínio aplicado ao item 2 da Resolução CFC nº 1.159/09, temos que:
a) as definições da Lei nº 11.638/07 e da MP nº 449/08 devem ser observadas pelas empresas S/A, pois estão obrigadas a obedecer à Lei nº 6.404/76; e
b) as definições da Lei nº 11.638/07 e da MP nº 449/08 também devem ser observadas pelas sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações (conforme determina o art. 3º da Lei nº 11.638/07), independentemente da sistemática de tributação por elas adotada.
Em outras palavras, “as definições da Lei nº 11.638/07 e da MP nº 449/08 devem ser observadas por todas as empresas obrigadas a obedecer à Lei das S/A (no caso as sociedades anônimas), compreendendo não só as sociedades por ações, mas também as demais empresas (desde que DE GRANDE PORTE), inclusive as constituídas sob a forma de limitadas, independentemente da sistemática de tributação por elas adotada (as DE GRANDE PORTE).
Essa composição de fatores histórico e teórico encontram a realidade jurídica forjada na Resolução do CFC. Qual seja, o “item 2” não manda aplicar o NPC a todas as sociedades limitadas independentemente da sistemática de tributação, até porque não poderia criar esta obrigação não contida em lei.
A adoção da reserva de lei para criação de obrigação, constante da Carta Magna, conjugada com o art. 3º da Lei nº 11.638/07, controla a extensão prescricional do item 2 da Resolução CFC nº 1.159/09. Assim, como a Lei não criou a obrigação da adoção do NPC a todas as sociedades, não caberia a uma Resolução essa função.
Captando os valores jurídicos envolvidos no item 2 da Resolução CFC nº 1.159/09, a propósito de uma regra de identificação do dever-ser, e dentro da relação de pertinencialidade da norma dentro do sistema normativo, a conduta descrita na Resolução restringe-se às SOCIEDADES ANÔNIMAS e aquelas DE GRANDE PORTE (mesmo que constituídas na forma de LIMITADAS), esta última independentemente da sistemática de tributação adotada.
Desse modo, a sacada dos Doutores da lei não se sustenta (mais um vez), pelos poucos e simples motivos arrolados. Agora, só mesmo com a Teoria do Medo (sic)!
Postas estas considerações gerais, cumpre advertir, tomando de empréstimo as palavras do magistral Fernando Pessoa: Nenhum de meus escritos foi concluído; sempre se interpuseram novos pensamentos, associações de idéias extraordinárias, impossíveis de excluir, com o infinito como limite. Não consigo evitar a aversão que tem o meu pensamento ao ato de acabar.
Marcelo Henrique da Silva, é contador em Londrina.